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Foto do escritorLiliana Costa

Conspirações COVID - As vacinas de mRNA e as doenças autoimunes

Atualizado: 11 de fev. de 2021

Depois de uma corrida sem precedentes para o desenvolvimento das vacinas para a COVID-19, elas estão finalmente aí. Muito embora a sua distribuição esteja ainda condicionada pela disponibilidade das mesmas, a velocidade com que as vacinas foram desenvolvidas leva alguns a questionar a verdadeira dimensão dos riscos da vacinação e à inevitável propagação meteórica de teorias da conspiração. A maioria das pessoas guarda em si um sentimento ambivalente: desejam proteger-se da infeção, mas temem os possíveis efeitos colaterais.

Vacinas contra a COVID-19 de mRNA: proteção ou risco de doenças autoimunes? (Foto: Cottonbro para Pexels)

TEORIA: A vacina para o Coronavírus pode alterar o nosso DNA, causar doenças autoimunes e pode inclusivamente causar a morte


Esta teoria defende que as vacinas contra a COVID-19 que usam a tecnologia de RNA mensageiro levam à incorporação do código genético do vírus no nosso DNA e podem “ensinar” o nosso corpo a atacar-se a si próprio levando a doenças autoimunes. Num vídeo de 12 minutos que circula de forma viral nas redes sociais, uma enfermeira norte americana avisa que as vacinas que usam tecnologia de RNA mensageiro nunca foram usadas antes em seres humanos e que “ensinar” o corpo a produzir a proteína exterior (spike ou espigão) do coronavírus pode causar uma doença autoimune grave que dura a vida toda. Afirma ainda no vídeo que os cientistas da Pfizer e Moderna que investigaram as vacinas descobriram que havia a possibilidade das vacinas causarem doenças autoimunes e ocultaram. O vídeo termina pedindo a todos para se manterem longe da vacina.

Além disso, são apresentados dados de sites oficiais como a agência nacional para regulação do medicamento americana (FDA), onde aparentemente são referidos possíveis efeitos secundários muito graves da vacina como o síndrome de Guillain-Barre, outras doenças autoimunes, doenças neurológicas e cardíacas graves ou até mesmo a morte. Após uma curta análise da imagem que mostro abaixo, retirada do próprio site da FDA, facilmente conseguimos entender o efeito que estas informações podem ter junto das pessoas mais suscetíveis, gerando medo e confusão em quem deixa de saber o que fazer para se poder proteger. Afinal a vacina veio mesmo para nos proteger, ou será um risco maior ainda do que a própria infeção?

Plano para Monitorização da segurança e eficácia da vacinação para a COVID-19 - FDA, outubro 2020

FACTO: As vacinas de mRNA não alteram de nenhuma forma o nosso DNA

Comecemos então pela questão da incorporação do código genético viral e modificação do nosso DNA pela vacina. As vacinas de RNA mensageiro para a covid-19 contém o código genético para apenas uma pequena parte do vírus - a proteína de superfície, também conhecida como proteína do espigão. Esta proteína, é a proteína que o vírus usa para se ligar às nossas células, tal como uma chave mestra para abrir a fechadura das nossas células e assim libertar o seu conteúdo genético dentro das mesmas. No entanto, por si só (sem o código genético de todo o resto do vírus que não está não está na vacina), a proteína do espigão ou spike é inofensiva.

Quando o RNA mensageiro da vacina chega às nossas células, estas começam a construir proteínas do espigão que depois as exportam para a superfície das células e, tal como um cartaz de um criminoso no faroeste, permitem que as nossas defesas naturais (o sistema imunitário) aprenda de forma inofensiva a reconhecer o inimigo.


Um aspeto interessante, que desmente totalmente as alegações prévias, é que o RNA do vírus nunca entra dentro do núcleo das nossas células, nem incorpora o nosso DNA. Como tal, não pode manipular nem nunca incorpora o nosso DNA.

Depois, o RNA mensageiro da vacina com a codificação do espigão é destruído pelas nossas células. No fundo, esta “apresentação” das proteínas do espigão ao nosso sistema imunitário (sem nunca correr o risco de causar doença), permite a criação de um exército de anticorpos específicos e eficazes para combater a infeção pela COVID-19.


Ou seja, uma vez que o vírus se replica infetando as nossas células com o seu material genético, estas vacinas, de forma muito inteligente viram o feitiço contra o feiticeiro e usam o mesmo mecanismo para travar o vírus.


E não, não modificam o nosso DNA, nem nunca sequer entram no núcleo da célula.



FACTO: Não existe evidência de que as vacinas de mRNA estejam associadas ao aparecimento de doenças autoimunes


É ainda importante relembrar que apesar de não estar reportado qualquer caso ainda de doença autoimune durante os ensaios clínicos ou já na fase de vacinação em massa da população a decorrer, sabemos que a própria doença causada pela infeção pelo SARS-COV-2 (a COVID-19), pode estar associada a fenómenos autoinflamatórios e ao desenvolvimento de doenças autoimunes. Em cerca de 20% dos casos, a COVID-19 torna-se uma doença grave. Na maioria destes doentes a seguir a uma doença que no início, em geral, é leve, verifica-se uma segunda fase de hiperreatividade do sistema imunitário. A esta pode seguir-se a terceira fase (hipercoaguabilidade) e por último a quarta fase, de progressiva insuficiência do funcionamento de vários órgãos.

O aparecimento de fenómenos autoimunes em doentes com COVID-19 é uma realidade que não esta relacionada com a vacina e antes pode até ser prevenida pela mesma.


Na revista “Journal of Autoimmunity” foi publicada uma revisão das doenças autoimunes associadas a COVID-19, nomeadamente a destruição de componentes do sangue por fenómenos autoimunes (anemia hemolítica e trombocitopenia autoimune), agravamento de doenças autoimunes prévias, Síndrome de Guillain-Barré e a doença de Kawasaki.


No entanto, o artigo "COVID-19 vaccine and Guillain-Barré syndrome: let’s not leap to associations", da revista científica Brain, publicado em dezembro de 2020, estima o aparecimento de 68000 casos de Síndrome de Guillain-Barré durante 1 ano numa população de 4 biliões de pessoas em condições normais (fora do contexto da pandemia). No espaço das 10 semanas a seguir a uma hipotética vacinação de 4 biliões de pessoas, com injeções separadas por 4 semanas é espectável por isso o aparecimento de 13076 casos esporádicos de doença. Isto é, independentemente da vacina ser administrada ou não.

Atualmente, estão a ser monitorizados de forma contínua os efeitos da vacinação e continuarão certamente num futuro próximo a ser reportados todos os casos de provável associação das vacinas a qualquer doença que ocorra nas semanas seguintes. No entanto, aprendemos bastante com os estudos das 3 fases convencionais de aprovação das vacinas, que incluíram dados exaustivos de 20.000-44.000 doentes e também com as 133 milhões de de doses de vacina administradas até à data em todo o mundo. Neste momento, a evidência científica aponta para que as vacinas tenham um efeito global provavelmente protetor relativamente às doenças autoimunes


E sobretudo, importa relembrar que tal como a comunidade científica se apercebeu rapidamente em março de 2020, a vacinação em massa da população mundial pode mesmo ser a nossa única forma de evitar a morte de milhões de pessoas, o colapso dos sistemas de saúde, contornar a crise económica e social em que a pandemia fez mergulhar o planeta e permitir-nos a todos retomar as nossas vidas.


Outras publicações de interesse:


1. US Food and Drug Admistration, ACIP-CBER Plan for Monitoring COVID-19 Vaccine Safety and Effectiveness October 30, 2020


2. Rodríguez Y, Novelli L, et al.. Autoinflammatory and autoimmune conditions at the crossroad of COVID-19. J Autoimmun. 2020 Nov;114:102506. doi: 10.1016/j.jaut.2020.102506. Epub 2020 Jun 16.


3. Lunn MP, Cornblath DR, et al. COVID-19 vaccine and Guillain-Barré syndrome: let's not leap to associations. Brain. 2020 Dec 14 doi: 10.1093 Epub ahead of print.


3. Lindsey R. Baden, M.D., Hana M, et al. Efficacy and Safety of the mRNA-1273 SARS-CoV-2 Vaccine, February 4, 2021 N Engl J Med 2021; 384:403-416 DOI: 10.1056/NEJMoa2035389


4. Fernando P. Polack, M.D., Stephen J. Thomas, M.D., et al. Safety and Efficacy of the BNT162b2 mRNA Covid-19 Vaccine, December 31, 2020 N Engl J Med 2020; 383:2603-2615 DOI: 10.1056/NEJMoa2034577


5. Merryn Voysey, DPhil, Sue Ann Costa Clemens, PhD, et al. Safety and efficacy of the ChAdOx1 nCoV-19 vaccine (AZD1222) against SARS-CoV-2: an interim analysis of four randomised controlled trials in Brazil, South Africa, and the UK, Lancet 2021; 397: 99–111 Published Online December 8, 2020 https://doi.org/10.1016/ S0140-6736(20)32661-1


6. Keddie S, Pakpoor J, Mousele C, et al. Epidemiological and cohort study finds no association between COVID-19 and Guillain-Barré syndrome [published online ahead of print, 2020 Dec 14]. Brain. 2020;awaa433. doi:10.1093/brain/awaa433








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