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Desinformação - A pandemia por trás da pandemia

Atualizado: 11 de fev. de 2021

A pandemia por COVID-19 resultou num evento único. Milhões de pessoas pelo mundo inteiro em isolamento em 2020 e 2021. Com uma sociedade alarmada, ansiosa pelo seu presente e futuro imediato, o aumento da procura e partilha constante de informação digital tornou-se natural para todos nós.

Mas resultou numa segunda pandemia. A da desinformação. Poderá dizer-se que guarda um potencial de letalidade quase tão assustador como a da pandemia por COVID-19.

Jovem a ler um jornal a arder
COVID e Fake News: a pandemia por trás da pandemia

Todos nós recebemos mails e mensagens encaminhadas pelo WhatsApp e Facebook de teor duvidoso, ou alarmante. Algumas delas encaminhadas centenas de vezes. Os médicos como eu, receberam certamente centenas de mensagens de amigos e familiares a pedir esclarecimentos sobre novas teorias da conspiração e alegados “novos factos” sobre o coronavírus. É curioso que mesmo quando usamos o nosso bom-senso e compreendemos que são falsas, não conseguimos deixar de as ler até ao fim, por vezes por puro entretenimento, ou curiosidade mórbida de que alguém acredite mesmo nisso. Por vezes até as partilhamos com outros descrentes de notícias falsas apenas por diversão. O problema disto está na sua origem.



Jogo de letras com as palavras fake news
As notícias falsas não são inócuas. A sua leitura, partilha e discussão são o maior aliado da pandemia

Porque surgem as notícias falsas?

Após bons trabalhos de jornalismo de investigação, foi encontrada a origem de muitas destas notícias falsas. Surpreendentemente, na origem das notícias está frequentemente o desejo de aumentar as visualizações ou tráfico digital de um site ou conta de Twitter, Youtube, etc. A verdade é que a nossa natureza curiosa se vira contra nós a este respeito. Vários estudos confirmam que os sites que usam notícias falsas, sobretudo se alarmantes, têm maior tempo de retenção do usuário (ocupado a ler disparates) e aumentos significativos do número de visualizações. Mais visualizações a nível digital, significa de forma simples mais dinheiro. O resto é fácil de entender. Um reflexo da era em que vivemos, é o facto de que algumas destas notícias nem sequer são geradas por humanos, mas sim por robots.


“A falta de informação e a desinformação colocam a saúde e as vidas em risco e enfraquecem a confiança na ciência, nas instituições e nos sistemas de saúde” - Tedros Adhanom Ghebreyesus (diretor-geral da OMS)

Riscos das Fake News para saúde Mental: “Já não sei no que hei-de acreditar” Todos temos alguma razão para estar sob pressão durante a pandemia. Os pais com os filhos em casa, com as exigências do ensino à distância e de manter as crianças tranquilas 24h/dia, 7 dias por semana. As crianças, por sua vez, viram interrompido o seu desenvolvimento social e escolar e em risco de para sempre ficarem marcadas pelo medo do outro, do toque e do abraço. Os mais idosos, isolados da própria família direta, com medo dos próprios entes queridos, a receberem todos os dias notícias de amigos e familiares atingidos gravemente pelo COVID. Os trabalhadores e donos de negócios a lutar pela sobrevivência da economia. Os profissionais de saúde em luta direta com o vírus e aquilo que de pior o vírus traz a quem contra ele luta em ambiente de pandemia – saber que não chegam para todos, a sensação de que não tinha de ser assim e a certeza de que muitas histórias podiam ter um final diferente. A tudo isto acresce a constante exposição a novos rumores. Um dos problemas que isto acarreta é de que habitualmente a informação falsa é mais frequentemente persistente e de longa duração do que a verdadeira, tem mais impacto nos consumidores porque tem uma natureza sensacionalista e choca. Mas no contexto de atual de pandemia e isolamento social, as notícias falsas e a pseudociência podem ter consequências desastrosas para o cumprimento das normas de proteção individual, cuidados com populações vulneráveis, ou resistência à vacinação. E podem, sobretudo, influenciar diretamente o sucesso da batalha contra a pandemia a nível individual e coletivo. No entanto, tem efeitos imediatos na nossa saúde mental. Para alem de aumentar a sensação de exaustão, pode aumentar os sintomas de ansiedade, pânico, comportamentos obsessivos, paranoia, depressão e stress pós-traumático nas pessoas mais suscetíveis, de acordo com o artigo “Psychosocial impact of COVID-19” publicado do neurocientista Souvik Dubey. Neste artigo são descritas ainda a emergência da “coronofobia” e as restantes manifestações psiquiátricas da pandemia nos diferentes estratos sociais, bem como o agravamento das mesmas pela desinformação.


Homem ansioso
As profundas consequências psicológicas das notícias falsas

O apelo psicológico das notícias falsas Num artigo da revista Psychological Science de 2020 “The Psychological Appeal of Fake-News Attributions” foram revistos os resultados de 6 estudos com mais de 2800 pessoas cujos comportamentos e crenças foram analisados relativamente às notícias falsas. Curiosamente, os resultados deste estudo revelaram que existe uma associação entre a necessidade de estrutura de alguns indivíduos e uma maior predisposição em acreditar em noticias falsas. O que isto quer dizer é que as notícias falsas são apelativas porque satisfazem a necessidade de ver o mundo como um lugar estruturado. Vários estudos mostram que as pessoas se sentem motivadas em desacreditar as notícias que não encaixam na sua visão do mundo (Kunda, 1990). Acreditar em teorias da conspiração implica acreditar num mundo mais organizado, consistente e previsível. Acreditar que países, instituições, ou indivíduos destacados possam estar empenhados em criar algo de terrível, pode ser menos penoso do que compreender que, por vezes o mundo é simplesmente imprevisível, que as instituições também erram inadvertidamente e de que a ciência está em constante evolução. Ou que algumas fontes de notícias jornalísticas pouco credíveis, são falsas. A teoria do controlo compensatório (Kay, Gaucher, Napier, Callan, & Laurin, 2008), refere que as pessoas procuram formas de estrutura e ordem para compensar a perceção de baixo controlo da sua vida pessoal. Em vários estudos, as pessoas responderam a ameaças no controle da sua vida com a perceção do surgimento de um inimigo (quer a nível pessoal ou político) que intencionalmente conspirava contra o seu bem-estar e objetivos (M. J. Landau, Kay, & Whitson, 2015).


Quem cai nas Fake News? Num estudo de 2019 do Journal of Personality “Who falls for fake news? The roles of bullshit receptivity, overclaiming, familiarity, and analytic thinking” foram recolhidos os resultados de 3 questionários online de 1,606 participantes e que testaram variáveis individuais e a tendência a acreditar em informação falsa. Neste estudo foram encontradas evidências de que as pessoas que caem nas fake news são mais recetivas a afirmações pseudoprofundas, apresentam mais tendência em exagerar os próprios conhecimentos e pontuam mais baixo em testes de pensamento analítico. A estes resultados acrescenta-se ainda uma suscetibilidade à tendência social atual de que devemos manter a “mente aberta” a uma variedade de alegações, independentemente do seu valor intrínseco. Sobretudos, estes resultados apontam a existência de um papel na educação e treino no ceticismo racional, de forma a melhorar a tendência de cada um a não cair em “tretas”. Vacina contra as notícias falsas: sem lista de espera Um conceito interessante é pensar nas notícias falsas sobre a pandemia como um agente infecioso. (1) Podemos ser mais ou menos suscetíveis individualmente a ser inoculados com essa tendência infeciosa; (2) podemos replicá-la ao transmiti-la a outras pessoas, por vezes a muitas pessoas; (3) o resultado dessa infeção pode levar a um prejuízo importante de várias áreas da saúde e até mesmo à morte (por vezes à morte de outros); (4) podemos ser treinados a reconhecer essa infeção precocemente, prevenir que nos “infete”, que repliquemos a informação e que a destruamos com a verdade. Tal como uma verdadeira vacina. No artigo “Inoculating Against Fake News About COVID-19” da Frontiers in Psychology são discutidas as teorias da inoculação psicológica como um veículo eficiente para conferir resistência psicológica de larga escala contra as notícias falsas. São abordadas algumas estratégias usadas pelas notícias falsas para aumentar a sua credibilidade, como a (1) repetição (várias notícias de baixa credibilidade a dizerem o mesmo); (2) a afirmação falsa de que os autores seriam peritos numa determinada área (sem existir confirmação oficial das instituições e sem estes supostos peritos sujeitarem o seu trabalho ao escrutínio dos outros peritos); (3) as afirmações marcadamente emocionais; e (4) os erros de raciocínio, nos quais afirmações pseudocientíficas confundem facilmente aqueles com menos conhecimentos científicos ou com uma abordagem mais ligeira de assuntos complexos. Uma solução interessante é proposta através de 2 aplicações (Jogos terapêuticos) o “Go Viral” e o “Bad News”. Visam em 3 passos inocular a população para o combate à pandemia da desinformação: treinando o reconhecimento das notícias falsas, da não tolerância da pseudociência e de fontes não credíveis e promovendo a transmissão de informação e fontes corretas.


imagem do início do jogo "go viral"
Jogo "Go Viral" e a vacina psicológica contra a desinformação








Outras publicações de interesse: 1. World Health Organization Mental health and psychosocial considerations during the COVID-19 outbreak. 2020.

2. Dubey S, Biswas P, et al. Psychosocial impact of COVID-19. Diabetes Metab Syndr. 2020 Sep-Oct;14(5):779-788. doi: 10.1016/j.dsx.2020.05.035. Epub 2020 May 27. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7255207/pdf/main.pdf

3. Axt JR, Landau MJ, Kay AC. The Psychological Appeal of Fake-News Attributions. Psychological Science. 2020;31(7):848-857. doi:10.1177/0956797620922785 https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0956797620922785

4. Kunda, Z. (1990). The case for motivated reasoning. Psychological Bulletin, 108, 480–498. http://www2.psych.utoronto.ca/users/peterson/psy430s2001/Kunda%20Z%20Motivated%20Reasoning%20Psych%20Bull%201990.pdf

5. Pennycook, G, Rand, DG. Who falls for fake news? The roles of bullshit receptivity, overclaiming, familiarity, and analytic thinking. Journal of Personality. 2020; 88: 185– 200.


6. van der Linden S, Roozenbeek J, Compton J. Inoculating Against Fake News About COVID-19. Front Psychol. 2020 Oct 23;11:566790. doi: 10.3389/fpsyg.2020.566790. PMID: 33192844; PMCID: PMC7644779.

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